domingo, 5 de janeiro de 2014

Carta da Semana #8


4 de janeiro de 1992

Querido amigo,
Desculpe pela última carta. Para dizer a verdade, eu não me lembro muito bem dela, mas sei, pelo modo como acordei, que não deve ter sido muito legal. Tudo de que me lembro do resto da noite foi ter procurado por toda a casa por um envelope e um selo. Quando finalmente encontrei, escrevi seu endereço e desci a colina até a agência dos Correios porque eu sabia que se não colocasse numa caixa de correio da qual não pudesse pegar de volta, a carta nunca seria enviada.
É estranho como aquilo pareceu importante na hora.
Depois que fui à agência dos Correios, coloquei a carta na caixa. E me senti completo. E calmo. Depois comecei a vomitar, e não parei de vomitar até que o sol nascesse. Olhei para a estrada e vi um monte de carros, e eu sabia que eles estavam indo para a casa de seus avós. E eu sabia que um monte deles veria o jogo de futebol do meu irmão mais tarde à noite. E minha mente ficou jogando amarelinha.
Meu irmão... futebol... Brad... Dave e a garota no meu quarto... os casacos... o frio... o inverno... "Folhas de Outono"... não conte a ninguém... seu pervertido... Sam e Craig... Sam... Natal... máquina de escrever... presente... tia Helen... e as árvores se mexendo... elas não paravam de se mover... então deitei e fiz um anjo de neve.
O policial me encontrou lívido e dormindo.
Não parei de tremer de frio por um bom tempo depois que minha mãe e meu pai me levaram de carro ao pronto-socorro. Ninguém ficou muito nervoso, porque essas coisas costumavam acontecer comigo quando eu era pequeno, quando estava indo ao médico. Eu vagava por aí e caía no sono em algum lugar. Todo mundo sabia que eu tinha ido a uma festa, mas ninguém, nem mesmo a minha irmã, achou que foi por causa disso. E eu mantive a boca fechada porque não queria que Sam e Patrick, ou Bob, ou qualquer pessoa, tivessem problemas. Mas, principalmente, eu não queria ver o rosto de minha mãe e especialmente o do meu pai se eles ouvissem a verdade de mim.
Então, não contei nada a ninguém.
Só fiquei quieto e olhei em volta. E percebi certas coisas. Os pontos no teto. Ou como o cobertor que me deram era áspero. Ou como o rosto do médico parecia de borracha. Ou como tudo era um sussurro ensurdecedor quando ele disse que talvez eu devesse começar a ver um psiquiatra novamente. Foi a primeira vez que um médico falou com meus pais na minha presença. E o jaleco dele era tão branco. E eu estava tão cansado.
Tudo em que consegui pensar durante o dia todo era que tínhamos perdido o jogo de futebol do meu irmão por minha causa, e esperei que minha irmã tivesse se lembrado de gravar.
Felizmente, ela gravou.
Voltamos para casa e minha mãe fez um chá para mim, e meu pai me perguntou se eu queria sentar e assistir ao jogo, e eu disse que sim. Vimos meu irmão fazer uma grande partida, mas dessa vez ninguém torceu muito. Todos os olhos estavam em cima de mim. E minha mãe disse um monte de palavras de estímulo sobre como eu estava indo bem na escola esse ano e que talvez o médico me ajudasse a colocar as coisas em ordem. Minha mãe pode ficar quieta e falar ao mesmo tempo quando está sendo positiva. Meu pai não parava de me dar "tapinhas carinhosos". Os tapinhas carinhosos são soquinhos suaves de encorajamento que são dados no joelho, nos ombros e no braço. Minha irmã disse que pode me ajudar a ajeitar o cabelo. Era estranho ver os três dando muita atenção a mim.
― Que quer dizer com isso? O que há de errado com meu cabelo?
Minha irmã ficou olhando, pouco à vontade. Levei as mãos ao cabelo e percebi que boa parte dele se fora. Sinceramente não me lembro de quando fiz isso, mas, a julgar pela aparência do meu cabelo, eu devo ter pego uma tesoura e começado a cortar sem nenhuma estratégia. Faltavam grandes chumaços em toda parte. Como o corte de um açougueiro. Não me olhei no espelho na festa por muito tempo porque meu rosto estava diferente e lutava contra mim. Ou eu teria percebido.
Minha irmã me ajudou a arrumá-lo um pouco e eu tive sorte, porque todos na escola, inclusive Sam e Patrick, acharam que estava legal.
"Chique" foi o que disse o Patrick.
Apesar disso, decidi nunca mais tomar LSD.
Com amor,
Charlie.

~rod

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